“Já não sou como antes” – Disse a minha vó ao dar alguns passos entre a sua casa e a casa da sua filha Joelma.
Era o final da tarde quando minha vó me pediu que a ajudasse chegar até a terceira casa da rua. Ofereci o meu braço, segurei a sua mão e lhe dei o apoio que tanto precisava naquele momento.
Observei a delicadeza dos seus pequenos passos, observei o tempo que ela precisava para ganhar fôlego, mas observei algo que me tocou.
Minha vó não era a mulher forte que eu me lembrava. Minha vó já não tinha o mesmo ritmo, resistência, capacidade e disposição de antes.
São 80 anos.
Eu disse: São 80 anos.
É claro que ela não poderia ser como antes. É claro que os seus ossos, membros e musculos mudaram com o tempo.
Ela ainda tem a mente de quem quer dar conta de tudo sozinha. A pergunta é: É preciso dar conta de tudo sozinha? É preciso fazer tudo sozinha?
Em que momento é preciso dizer: Mãe, você fez muito até aqui. Me deixa fazer algo por você daqui para frente?
Como sua neta mais velha que ela ajudou a criar posso dizer que carrego as minhas lembranças da mulher que não conseguia esperar ninguém, da mulher ansiosa que queria tudo no estilo “aqui e agora”, da mulher que não engolia desaforo, mas eu me lembro também da guerreira que lutava pelos seus, da mulher que engolia o choro até um dia não aguentar mais e explodir com a primeira pessoa que cruzasse o seu caminho, da mulher reprimida que sofria calada e da mãe que mesmo sem dizer “eu te amo” em palavras ou dar beijinhos carinhosos mostrava dia após dia que amava.
Amava e ama. Cuidou e cuida. Zelou e zela. Mesmo que seja baixinho deitada na rede com a bíblia nas pernas balançando pra lá e pra cá orando pelos seus filhos que estão perto ou estão longe.
Enquanto segurava as suas mãos na travessia da rua pensei na nossa utilidade e na nossa importância aos olhos da família e de todos a nossa volta.
Um dia somos jovens e sentimos que estamos no controle dos nossos passos e que podemos fazer tudo. Um dia somos jovens e sentimos que podemos conquistar o mundo. Um dia somos jovens e sentimos que podemos fazer qualquer coisa.
Um dia somos velhos e descobrimos que não estamos mais no controle, que ele nem sequer existe. Um dia somos velhos e a verdade nua e crua é que não precisamos conquistar o mundo, mas aprender como desfrutar a vida com leveza, paz no coração e consciência tranquila. Um dia estamos cansados e constatamos que não precisamos fazer todas as coisas e que está tudo bem aceitar a ajuda de quem está mais forte.
Naquele dia a ficha caiu mais uma vez. A minha vó já não é a mulher que um dia foi, mas feliz dos filhos e netos que entenderem que o seu tempo é agora, é já, é hoje.
O seu tempo não é amanhã passo aí, amanhã vou te visitar, amanhã vou dizer que te amo, que te admiro, que você foi uma boa mãe, uma boa vó e uma boa amiga.
O seu tempo é agora, pois quem ama não espera, mas faz acontecer. Quem ama cuida não diz que vai cuidar. Quem ama faz. Quem ama age. Quem ama vê.
E eu vejo.
A minha vó já não é a mulher que um dia foi, mas tudo que ficou tem valor.
O seu andar se tornou mais leve, mas em seu peito ainda bate um coração.